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blog Pausa Dramática

Cultura japonesa, Miyazaki, Chihiro e tecnologia. O ponto de encontro.

20 de out. de 2010

O Japão deixa de lado as tradições para tratar de uma realidade cada vez mais rápida e tecnológica – e o faz usando a linguagem das HQs

Pense em A Viagem de Chihiro, a animação de Hayao Miyazaki, como uma metáfora da relação que a cultura japonesa tem hoje com o Ocidente. O filme de 2001 se presta a várias interpretações – há discussões sérias a respeito dele na internet e fora dela – e nenhuma jamais dará conta de contemplar todos os significados que rondam a história da menina que entra num mundo bizarro e precisa encontrar uma forma de salvar os pais e voltar para casa.

 
Chihiro viaja com a família para a casa nova e, no caminho, param a fim de encontrar algo para comer. Descobrem uma vila deserta com comida à vontade, mas nenhum responsável por ela. A menina quer ir embora, mas o medo dela diverte os pais, que estão seduzidos pela fartura (há um balcão com muitos pratos apetitosos) e não veem problema em sentar e comer até que apareça alguém para cobrá-los pela refeição.
 
A menina se distrai por um instante e tem início uma sucessão de eventos estranhos. Os pais viram porcos e Chihiro se descobre sozinha e perdida. Pouco depois, encontra um garoto de nome Haku e é conduzida para uma casa de banho com clientes assustadores, administrada pela bruxa Yubaba. Para que os pais voltem à forma humana, ela tem de se submeter ao jugo da feiticeira.


O mundo de Yubaba tem elementos que podem remeter ao Ocidente (ganância, perda da identidade) e coloca Chihiro (ou a cultura japonesa) à prova. Afastada do pai e da mãe – de sua origem –, ela faz o que pode para entender a lógica e os valores do ambiente em que está. Erra algumas vezes e segue tentando corresponder ao que esperam dela. No fim, sairá da experiência transformada e também deixará marcas permanentes no mundo de Yubaba.

A cultura japonesa contemporânea, por meio sobretudo de mangás (as revistas em quadrinhos) e animês (os desenhos animados), não se ressente de fazer parte de um mundo em que as influências se cruzam. Talvez isso explique por que um escritor como Haruki Murakami seja visto como “ocidentalizado”, ou por que, na tentativa de explicar a obra de alguém como Hayao Miyazaki, surjam expressões como “o Walt Disney do Japão”.

No instituto Tomodachi, em Curitiba, a maioria dos alunos que frequenta cursos dedicados à língua e à cultura japonesas – o professor Vinicius Monfernatti fala em algo próximo de 90% – procura as aulas sob a influência dos mangás. É como se os quadrinhos estivessem para o Japão como o cinema está para os Estados Unidos. Ou a telenovela, para o Brasil. É o veículo mais poderoso de propaganda do país, hoje embalado por velocidade e tecnologia crescentes, e afastado das tradições.

“O mangá tem ligação com outras atividades da cultura popular japonesa”, explica Luiz Francisco Utrabo, proprietário da revistaria Itiban. “É a cultura dos toy arts, do cosplay, dos games, do geek [obsessão por tecnologia] de modo geral.”

Depois da Segunda Guerra Mundial, os mangás ajudaram na promoção da identidade nacional. Foi a época em que surgiu o desenhista Osamu Tesuka (1928-1989) e um de seus personagens mais populares, o Astro Boy. A influência dos quadrinhos é evidente em números: segundo a revista Discovering Japan, do Ministério das Relações Exteriores do Japão, na edição de março passado, cerca de 40% de todo mercado editorial japonês, somando revistas e livros, é ocupado pelos mangás. Há até vários títulos que venderam mais de 100 milhões de cópias ao longo dos anos, entre eles, Dragon Ball e Doraemon.

Para a professora Lina Saheki, do Instituto Tomodachi, a força do mangá tem a ver com a identificação permitida ao leitor. “Em geral, os personagens possuem um alto grau de complexidade de relações e reações, o que os tornam mais cativantes e mais ‘humanos’”, diz. “Eles têm crises existenciais, raiva, frustração, dúvida moral, defeitos e qualidades... Mas que se destacam, via de regra, por sua capacidade de superação e persistência.”

Nos mangás, é difícil encontrar o maniqueísmo de mocinhos e bandidos. “Costumo dizer que, se um personagem (e creio que isso se aplique também às pessoas) lhe parece totalmente bom ou mau, é tão somente porque você ainda não leu o suficiente”, diz Lina.

No Japão, existem mangás publicados num formato que barateia muito o custo. São edições em papel jornal, mas com impressão de qualidade, encadernadas e com um número de páginas que oscila entre 300 e 800. São pequenas listas telefônicas. Por serem baratas, as pessoas não tentam vendê-las, mas têm a possibilidade de largar as revistas em “mangazeiros” de estações de metrô, onde podem ser adotadas por outros leitores.

No Brasil, a disseminação dos mangás é recente. Embora tenham sido publicadas histórias nos anos 1980 – Lobo Solitário e Crying Freeman foram duas delas –, os quadrinhos japoneses passaram a ser publicados com regularidade apenas nesta década. Hoje, um dos títulos mais esperados é Fairy Tail, de Hiro Mashima. Enquanto ela não sai em português, alguns dos personagens que fazem a cabeça dos leitores são Naruto e Evangelion.
 
“Sempre fui atraído pela natureza leal, pela ética e pela moral dos japoneses. Eles têm um engajamento com o correto e com o verdadeiro que é admirável”, diz Utrabo. Esses seriam valores acessíveis aos leitores dos quadrinhos japoneses? “Sempre foi minha grande esperança”, diz Utrabo, que tem filhas ligadas ao universo de mangás e do cosplay (prática disseminada entre os jovens de se vestir como personagens ficcionais), “mas não acredito nisso”.
 
da Gazeta do Povo

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