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Pequeno grande público

12 de set. de 2010

IRINÊO BAPTISTA NETTO
Em um fenômeno curioso, filmes para crianças se mostram mais ousados e maduros do que várias produções pensadas para adultos

Um aceno para os adultos: Meu Malvado Favorito faz referência a uma cena marcante de O Poderoso Chefão, com Marlon Brando

Meu Malvado Favorito tem uma cena com Gru, o protagonista, acordando pela manhã e afastando as cobertas para descobrir algo que foi colocado na sua cama enquanto dormia. Ele vê o objeto e grita: “Aaaaahhhhhhh!!!”.


Para uma criança, a cena não tem nada demais. Porém, um adulto com algum interesse em cinema não terá problema em reconhecer nela uma citação ao primeiro O Poderoso Chefão (1972), de Francis Ford Coppola, quando um produtor de cinema se recusa a fazer um favor para Vito Corleone (Marlon Brando) e acorda pela manhã com a cabeça de seu cavalo na cama toda ensanguentada.

Até pouco tempo atrás, essa referência seria encarada como uma piscadela dos realizadores para os adultos que estivessem acompanhando suas crianças. Uma forma de dizer que eles fazem filmes infantis sem esquecer os espectadores mais velhos e maduros. Algumas animações fazem isso com piadas – como a de Meu Malvado Favorito –, outros conseguem criar histórias inteiras capazes de envolver tanto os pequenos quanto os grandes.

Pense, por exemplo, na Pixar, o estúdio de John Lasseter comprado pela Disney de onde saíram Carros (2006), Ratatouille (2007), Wall-E (2008) e outras animações.
 
Todas têm várias camadas de leitura – mais ou menos como uma cebola – e o público vai descascando as interpretações que puder na medida em que tiver ferramentas para isso.


Assistindo ao desenho Up – Altas Aventuras (também da Pixar), uma criança pode ver a aventura de um velhinho ranzinza com um menino escoteiro numa casa voadora, enquanto um espectador experiente pode tirar da história outros significados: o velhinho desiste da vida depois de perder a mulher e se agarra à casa (e ao passado) com todas as forças que tem. É, enfim, um peso que nem todos os balões do mundo podem carregar.

É difícil apontar com certeza quando esse movimento dos estúdios de animação começou. Al guém pode dizer que Walt Disney (1901-1966) já fazia filmes com várias camadas de interpretação e não estará errado. No entanto, a onda recente foi embalada pelo sucesso da Pixar, o que fez outros profissionais entrarem no clima das produções infantis que entretêm também os adultos.

Anos perseguindo boas narrativas acabou criando, na última década e meia – o primeiro Toy Story é de 1995 –, um fenômeno curioso. Em meio às produções que a indústria do cinema norte-americano coloca no mercado a fim de ganhar o dinheiro das multidões (inclusive o seu), existem hoje desenhos tematicamente mais ousados e emocionalmente mais maduros do que vários filmes pensados para o público adulto.

Não à toa, o terceiro Toy Story, que encerra a série, lançado em junho passado no Brasil, mostra uma das cenas mais emocionantes da história dos filmes infantis. Uma que deixa no chinelo a morte da mãe do Bambi (1942).

Por causa de uma artimanha do ursinho roxo Lotso, o grupo li derado pelo astronauta Buzz Lightyear e pelo caubói Woody está prestes a morrer num incinerador. Eles não têm saída, mas ainda não se deram conta disso. Estão presos em meio a destroços pensando numa forma de escapar. Jessie diz que precisam fazer alguma coisa – qualquer coisa – e, quando ela se vira para Buzz, ele está com um olhar que diz: “Nós vamos morrer, Jessie, e tudo que podemos fazer agora é dar as mãos”. Então Buzz estende a sua para Jessie, que pega a mão de outro personagem e, logo, todos estão de mãos dadas prontos para o fim.

Uma criança pode não se dar conta, mas o olhar de Buzz para a vaqueira Jessie (o amor da sua vida) dói fundo nele. Toy Story 3 mostra o dono dos brinquedos, o garoto Andy, a caminho da universidade. Ele terá de deixar o boneco Woody e todos os outros para trás. Aqueles que tiverem sorte ficam numa caixa no sótão da casa. Os demais podem acabar numa creche como reféns de crianças que mais parecem terroristas.

O adolescente terá de decidir o que fazer antes de as aulas começarem e o desfecho desse drama é lindo. Num mundo onde a regra é infantilizar espectadores e consumidores, tem-se um desenho falando sobre amadurecimento, sobre o fim da infância e a necessidade de passar para a fase seguinte, a adolescência (essa, sim, virtualmente intransponível para muitos nos dias de hoje).

Gênio japonês

Tente imaginar um filme infantil em que a mãe e o pai de uma menininha viram porcos e ela acaba trabalhando como escrava numa casa de banhos japonesa, escovando ba nheiras e alimentando fornalhas en quanto pensa numa forma de sal var a si mesma e os pais. Ela é subjugada por uma bruxa bizarra, mãe de um bebê gigante, e vira alvo de afeto de uma criatura grotesca que come o que vê pela frente e “fabrica” ouro com as próprias mãos, talento que faz todos a adularem. O termo “infantil” não dá conta do cinema de Hayao Miyazaki, gênio por trás de A Viagem de Chihiro (2001).

Tampouco os filmes surreais de Miyazaki são “adultos”. O melhor a fazer é desistir de encaixá-los numa faixa etária e aceitá-los como “reveladores”. O Castelo Animado (2004) e Ponyo (2008), outros dois trabalhos do cineasta japonês, têm em comum com Chihiro o fato de mostrarem para a criança um universo estranho, fantástico e, por vezes, aterrorizante. Para o adulto, esses desenhos representam uma chance de experimentar (ou o verbo seria lembrar?) os medos e anseios da infância.

Pensadas para um público que mal tem idade para ler legendas, as animações de Miyazaki e da Pixar se tornaram redutos possíveis para adul tos que gostam de cinema e de testam ser tratados como imbecis.
 
Família


Alguns filmes infantis revelam visões de mundo interessantes. Veja, por exemplo, a forma como a família é retratada.

Normais

Nos filmes produzidos pela Pixar, a família tem sempre uma organização peculiar. Com exceção de Os Incríveis (2004), com pai, mãe e três filhos no centro da trama (embora o bebê fique em casa), os outros desenhos oferecem leituras atuais da organização familiar.

Mães

Andy, o menino de Toy Story (1995), tem a mãe por perto e o pai nunca é mencionado. Em Procurando Nemo (2003), a mãe do protagonista morreu e passa a ser criado pelo pai. Vida de Inseto (1998), por ser ambientado num formigueiro, tem uma profusão de mães (rainha, futura rainha, princesa) e nenhuma figura paterna (a não ser que você considere o gafanhoto Hopper um pai do tipo tirânico).

Pais

Em Carros (2006), Relâmpago McQueen e o velhão Doc desenvolvem uma relação de pai e filho. Algo parecido acontece em Up – Altas Aventuras (2009), quando o menino Russell (que tem mãe e reclama que o pai nunca está por perto) se apega ao velhinho Carl. Nesse caso, é como se fossem avô e neto.

Alternativa

Em Monstros S/A (2001), a família da menininha Boo não aparece em momento algum, mas ela é curiosamente “adotada” por Sully e Mike. Rémy, o personagem central de Ratatouille (2007), é um rato de esgoto que vive sob o jugo do pai, o líder da colônia. Mães não são mencionadas. Wall-E (2008), na condição de robô, não parece ter nenhum anseio ligado a quem o criou.
 
da Gazeta do Povo

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