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A nota mais alta da TV

23 de mai. de 2010

23-05-10
A série Glee tomou o mais boboca dos gêneros – o musical escolar – e o converteu em um programa ao mesmo tempo ácido e comovente. É um fenômeno de audiência. E ainda emplaca discos nas paradas

Com seus modos delicados e voz efeminada, o americano Chris Colfer era ridicularizado pelos colegas de escola. Sua maior humilhação se deu em um concurso de canto, no qual foi proibido de interpretar um número de um musical da Broadway, porque a direção achou aquilo coisa de mulherzinha. Em 2008, aos 18 anos, o rapaz amargou outro fracasso: foi reprovado em uma audição para uma série de TV. Logo em seguida, contudo, os produtores lhe acenaram com novo teste, para o papel de um jovem gay que busca superar a baixa autoestima devotando-se ao coral da escola. A série era Glee. Seu autor principal, Ryan Murphy, criou o personagem Kurt Hummel inspirado em Colfer – que deu a volta em seu histórico de pária. "Chegou a hora de aqueles que me humilhavam pagarem", disse ele à revista Rolling Stone. Esse espírito de retribuição é um dos nortes da série. Glee fala de um grupo de alunos que, na escala darwinista da escola secundária americana, são tachados de losers (perdedores). Além de Kurt, a turma inclui um paraplégico, uma negra gordinha e uma judia filha de pais gays. Sob a batuta de um professor de espanhol – portanto, ele próprio no último degrau da cadeia alimentar docente –, eles buscam a redenção no clube Glee do título, atividade extracurricular que inclui apresentações de canto e dança. A própria série era um azarão: o musical era tido como gênero apropriado unicamente a reality shows e ao universo pré-pubescente de programas como High School Musical. Fora desses nichos, pontificava-se, seria receita certeira para o fiasco. Lançada nos Estados Unidos no ano passado, Glee revelou-se, ao contrário, um sucesso de audiência instantâneo. Também se tornou uma série cultuada no Brasil, onde terá sua primeira leva de treze episódios lançada em DVD nesta semana, enquanto se aguarda a estreia da segunda parte da temporada inaugural no canal pago Fox, em julho.


Mais importante, Glee ascendeu à categoria de fenômeno cultural. Os CDs com seus números musicais entraram na parada americana. E as versões de hits do passado entoadas por seus personagens colocaram velharias no ranking das faixas mais baixadas do iTunes. Glee se beneficia do interesse do público por programas que exploram os percalços da construção de estrelas musicais, como American Idol e Britain’s Got Talent. Não à toa, a maior revelação desse último, a cantora Susan Boyle – tão improvável quanto os desajustados do clube Glee –, poderá fazer uma participação na série em breve. Glee vale-se de músicas conhecidas, verdadeiros clichês do pop, de forma tão inesperada quanto precisa. No episódio piloto, ressuscitou Don’t Stop Believing, sucesso de 1981 do grupo Journey, para exprimir de maneira verdadeiramente tocante a vontade de vencer dos alunos enjeitados. Em outro episódio, Dancing with Myself, de Billy Idol, embalou o momento em que Artie, o aluno da cadeira de rodas, expressa sua solidão. É como se, ao serem encaixadas na trama, essas canções banalíssimas encontrassem enfim um sentido. Ao perceber a força dessa vitrine, Madonna liberou suas músicas para um programa exibido há algumas semanas. Lady Gaga seguiu seu exemplo. Na próxima terça-feira, vai ao ar nos Estados Unidos o episódio em que o gay Kurt – que já foi pego no flagra pelo pai dançando Single Ladies, de Beyoncé, com um colante preto – soltará suas feras imitando o figurino extravagante da cantora.

O clímax do episódio de Madonna é uma recriação do clipe de Vogue estrelada por uma dublê insólita da cantora: Sue Sylvester, a treinadora masculinizada do time de animadoras de torcida. Interpretada pela atriz Jane Lynch com canastrice ora odiosa, ora patética, a personagem teria participação curta. Mas, graças à habilidade da atriz, impôs-se como vilã – e também como a principal porta-voz da incorreção política de Glee. Transbordante de preconceitos contra as minorias, a megera caricata rouba a cena, mas não é o único canal da subversão. Glee celebra a tolerância, mas o faz sem hipocrisia. Os membros do clube podem ser ferozmente competitivos e até mesquinhos. A cantorinha Rachel (Lea Michele) passa por cima dos colegas diante de qualquer chance de se impor como estrela. Sua rival, a cheerleader Quinn (Dianna Agron), posa de cristã pró-virgindade – mas fica grávida de um bad boy e mente ao dizer que o pai da criança é o cantor-galã do colégio. O produtor Ryan Murphy já havia exercitado a provocação na série sobre cirurgia plástica Nip/Tuck. Homossexual militante, ele se esbalda nas referências coloridas (o termo Glee alude a uma forma antiga de coral, mas também à cantoria alegre – não sem conotação gay). Recentemente, acusou a revista Newsweek de homofobia, por publicar um artigo em que se defendia a ideia de que atores gays não deveriam fazer papéis de machões. Retrucou Murphy: "Glee é a prova de que a diversidade é possível. Temos atores homossexuais fazendo personagens héteros, e vice-versa". Bem de acordo com o espírito instigante da série, ele não informa quem é quem.
 
Da Veja

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